quinta-feira, 6 de maio de 2010

Cinco dedos soberanos dificultam a respiracão

Marshall McLuhan - 1955







A cidade já não existe mais, salvo como espectro cultural para turistas. Qualquer botequim à beira da estrada, com seu aparelho de televisão, jornal e revista, é tão cosmopolita quanto Nova York ou Paris.
O camponês sempre foi um parasita suburbano. O agricultor já não existe; hoje, é um homem da “cidade”.
A metrópole, hoje em dia, é uma sala de aula; os anúncios são seus mestres. A sala de aula é uma obsoleta casa de reclusão, uma masmorra feudal.
A metrópole é obsoleta. Perguntem ao Exército.
A cobertura global instantânea do rádio e da televisão torna a forma citadina insignificante e despida de função. Outrora, as cidades estavam relacionadas com as realidades da produção e da intercomunicação. Agora não.
Até a escrita ser inventada, vivíamos no espaço acústico, onde os esquimós atualmente vivem: sem limites, sem direção, sem horizonte, a escuridão, a intuição primordial, o terror. A fala é um mapa social desse pântano sombrio.
A fala estrutura o abismo do espaço acústico e mental, ocultando a raça; é uma arquitetura cósmica e invisível das trevas humanas. Fala para que eu te veja.
A escrita lançava o projetor sobre a escura e alta montanha da fala; a escrita era a visualização do espaço acústico. Iluminava a escuridão.
Esses cinco reis levaram um rei à morte.
Uma pena de pato pôs fim à fala, aboliu o mistério, criou arquiteturas e cidades, gerou estradas e exércitos, burocracias. Foi a metáfora básica com que se iniciou o ciclo da civilização, o passo com que se saiu das trevas para entrar na luz da mente. A mão que encheu um papel construiu uma cidade.
A escrita a mão está nas paredes de celulóide de Hollywood; a Idade da Escrita passou. Temos de inventar uma nova metáfora, reestruturar os nossos pensamentos e sentimentos. As novas comunicações não são pontes entre o homem e a natureza: são a natureza.
A mecanização da escrita mecanizou a metáfora audiovisual em que toda a civilização assenta; criou a sala de aula e a educação das massas, a imprensa moderna e o telégrafo. Foi a linha de montagem original.
Gutenberg tornou toda a História simultânea: o livro transportável trouxe o mundo dos mortos para o espaço da biblioteca da um cavalheiro; o telégrafo trouxe o mundo inteiro dos vivos para a mesa do pequeno almoço do operário.
A fotografia foi a mecanização da pintura em perspectiva e do olho parado; derrubou as barreira do espaço nacionalista, vernáculo, criado pela impressão. A impressão alterou o equilíbrio da fala oral e escrita; a fotografia alterou o equilíbrio do ouvido e do olho.
Telefone, gramofone e rádio são as mecanizações do espaço acústico pós-letrado. O rádio leva-nos da volta às trevas da mente, às invasões de Marte e Orson Welles; mecaniza o poço de solidão que é o espaço acústico: o palpitar do coração humano aplicado a um sistema PA fornece um poço de solidão em que qualquer um pode afogar-se.
O cinema e a televisão completam o ciclo de mecanização do sensório humano. Com o ouvido onipresente e o olho móvel, abolimos a escrita, a metáfora audiovisual especializada que estabeleceu a mecânica da civilização ocidental.
Ao ultrapassarmos a escrita, recuperamos a nossa totalidade, não num plano nacional ou cultural, mas cósmico. Evocamos um homem supercivilizado, subprimitivo.
Ninguém conhece ainda a linguagem inerente à nova cultura tecnológica; somos todos cegos e surdos-mudos, em termos da nova situação. As nossas palavras e nossos pensamentos mais impressionantes atraiçoam-nos ao referirem-se ao nosso previamente existente, não ao atual.
Estamos de volta ao espaço acústico. Começamos de novo a estruturar os sentimentos e as emoções primordiais, de que 3000 anos de letras nos divorciaram.
As mãos não tem lágrimas para derramar.