sábado, 17 de julho de 2010

Imersão e apercepção

“Uma das funções sociais mais importantes do cinema é criar um equilíbrio entre o homem e a aparelho. O cinema não realiza essa tarefa apenas pelo modo com que o homem se representa diante do aparelho, mas pelo modo com que ele representa o mundo, graças a esse aparelho. Através dos seus grandes planos, de sua ênfase sobre pormenores ocultos dos objetos que nos são familiares, e de sua investigação dos ambientes mais vulgares sob a direção genial da objetiva, o cinema faz-nos vislumbrar, por um lado, os mil condicionamentos que determinam nossa existência, e por outro assegura-nos um grande e insuspeitado espaço de liberdade.” (BENJAMIN, 1996)
           
O assistir imagens em movimento acompanhadas por sons: uma caverna escura, com uma fonte de luz que reproduz em uma parede imagens em movimento do mundo exterior, que tem seus sons ecoados dentro da caverna, parecendo sair das próprias imagens. Para Arlindo Machado (1997), no mito da caverna de Platão, o mundo dentro da caverna não é um produto do mundo exterior de luzes, mas também um mundo construído e modificado pelos forjadores. Baudry (apud Machado 1997, 43) discorre que os efeitos ideológicos produzidos pelo aparato técnico da sala de cinema – o projetor, a sala escura e a tela – completa a mise en scène da caverna, com imersão do espectador ao mundo apresentado através das imagens na tela. Na sala de projeção as perturbações visuais e auditivas não provenientes do filme são atenuadas, colaborando para um isolamento do espectador. A fluidez do filme está nesse convite à imersão, para qual os sons têm grande importância.
Desde as primeiras projeções cinematográficas, notou-se necessária a ambientação sonora para melhor imersão do espectador na narrativa. Desde os primórdios do cinema havia o desejo e a tentativa de unir o som às imagens da tela: narradores, dublagem ao vivo atrás das telas, partituras específicas para serem tocadas junto a determinados filmes, dentre outros. A presença de sons referentes à imagem sempre foi requerida, também no cinema silencioso.
O som no audiovisual não deve ser entendido ou tratado somente como um acessório, mas também um membro que faz parte de um todo orgânico e responsivo. O sonoro também traz “uma nova dimensão da imagem visual, um novo componente”, o som faz ver na imagem algo que não surge livremente (DELEUZE, 2007. p. 269.). Variadas formas de construção sonora conseguem levar informações importantes ao espectador, não somente através da maneira clara do diálogo, mas também através de outros elementos sonoros. Os componentes sonoros de uma trilha sonora podem ser divididos em ambiências, falas, ruídos, efeitos e música, e podem ser mais ou menos distinguidos entre uns e os outros. Todos os componentes sonoros são misturados, onde um é controlado pelo outro, formando a ilusão de unidade sonora. Todos esses elementos podem ser independentes entre si, suprirem-se ou se transformarem (DELEUZE, 2007): e a parceria com a imagem ganha vários sentidos conforme o momento.

BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica”. A Idéia do Cinema. (José Lino Grünnewald, org.) Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. Texto originalmente publicado em 1955.


DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Editora Brasiliense, 2007.
MACHADO, Arlindo. Pré-cinemas e Pós-cinemas. 1ª edição. Coleção Campo Imagético. Campinas: Editora Papirus, 1997.