sábado, 5 de fevereiro de 2011

Cachorro e o grilo

(Dá um bom nome de livro de auto-ajuda, mas não é.)

No dia-a-dia urbano, muitas coisas passam por nós, e consequentemente seus sons. Pelo som ser baseado em partículas vibrantes, paisagem sonora acaba por dizer muito sobre o espaço que se está, o movimento, a sociedade.

Até mesmo em locais de grandes cidades onde a paisagem "verde" pode ter uma predominância razoável dentro de seu contexto, como o Parque do Flamengo ou em partes do Ibirapuera, pouco se "escuta" dessa imagem. O ruído de fundo da cidade, como desses casos, encobre certos sons pelo seu corpo e intensidade, e acaba tornando uma trilha sonora comum e cotidiana, imperceptível. O som cotidiano só se faz escutar quando parece fora de contexto, ou quando aparece deslocado dessa paisagem sonora que elegemos de ruído de fundo de acordo com o lugar que vivemos, com a sociedade e cultura que criamos.

Nessa semana, como qualquer normal faria, não me atentei para o entorno sonoro. Quando falava desses assuntos dos parágrafos anteriores, por coincidência um grilo começou a se manifestar em um nível tão alto quanto minha voz. Reparei que era o som mais 'natural' do dia. Depois em um segundo pensamento lembrei de um cachorro que passou arfando com todos os seus pulmões, próximo à sala da universidade. De terceira vez, com algum esforço, lembrei do barulho mais insistente do dia: dos carros da avenida movimentada ali perto, que persistia mesmo quando queria descansar os ouvidos. Alguns outros barulhos pontuais como de celulares, notebooks, cliques de mouse e teclados furiosos, pessoas conversando, resmungando, rindo, mas nada chamou tanta a atenção quanto o tal grilo e o cachorro.
Esses dois elementos pareciam tão deslocados do contexto. Sons "verdes", às vezes nem tão "verdes", dificilmente aparecem devido sua delicadeza. Quando se ouve uma árvore ao vento? Considerando o cotidiano urbano, maior parte dos sons parecem ser correspondentes a trabalho e deslocamento, apenas.
Se realmente temos a paisagem sonora como um reflexo da sociedade e cultura, seria interessante repensar a ecologia sonora urbana.